Numa manhã de sábado

Bandidos ao telefone

 

São 11h30min da manhã de sábado de tempo bom no Rio de Janeiro e estou discutindo com um bandido no telefone. Ele me xinga de todos os palavrões conhecidos e diz que vai me encontrar para acertar as contas. Está irritado, acho que mais pelo tempo perdido comigo no telefone do que pelo fracasso do golpe. Além disso, acha que sou “um polícia”. Talvez, por isso mesmo, tenta se impor pelas ameaças ao invés de simplesmente encerrar a ligação e partir para outra vítima.

 

Uma hora antes, me preparava para correr na praia, quando minha prima me chamou para mostrar um torpedo que acabara de receber no celular. O texto, com formatação de texto de promoção, dizia: “Web.SBT 25 ANOS informa: seu aparelho móvel foi o 5. ganhador de um Ford Eco Sport 0 km. Informações, ligue grátis de seu fixo para: 0158.596.54.84.52SBT.”. Como não tinha feito qualquer inscrição para esses tipos de promoção, e já tinha ouvido falar em golpes aplicados pelo celular, ela me chamou para mostrar a mensagem.

 

Movidos pela curiosidade, ligamos para o número sugerido. A partir daí, iniciou-se uma conversa com um atendente de sotaque nordestino e muito articulado. O atendimento, totalmente estruturado, deixaria qualquer autor de script de call center com inveja:

 

- Central de promoções, bom dia! – diz o atendente.

 

- Bom dia, acabei de receber uma mensagem no meu celular dizendo que ganhei um carro e queria saber como recebo o prêmio – inicio a abordagem.

 

- Senhor, preciso informar neste momento que nossa ligação está sendo gravada para sua própria segurança.

 

- Ok.

 

- Senhor, preciso agora que o senhor digite o número zero do seu telefone para que essa ligação passe a ser totalmente gratuita para o senhor – diz a voz do outro lado da linha.

 

Digito o zero sabendo que isso não fará a menor diferença no custo da ligação.

 

- Ok. E sobre a promoção? – retorno a conversa.

 

- Por favor, o senhor pode confirmar seu nome e o telefone celular em que recebeu a mensagem.

Passo um nome e telefone falsos.

 

- Por favor, o senhor pode aguardar um momento enquanto confirmamos as informações em nossos sistemas.

 

Durante cerca de dez segundos em que espero, ouço, ao fundo, outros atendentes falando ao telefone, com o mesmo script. Consigo identificar pelo menos três vozes diferentes, que juntamente com os sons de teclados dão a verdadeira impressão de que falo com um call center profissional.

 

- Senhor, acabamos de confirmar seus dados e realmente o senhor é o quinto ganhador do prêmio – retorna o atendente.

 

- Que bom, como faço então para receber o carro? – dou corda para saber até onde vai a conversa.

 

- Por favor, o senhor pode anotar os próximos passos da promoção?

 

- Ok, pode falar.

 

- Antes de tudo, quero deixar bem claro que não será necessário que o senhor passe qualquer documento ou cartão de crédito – diz o atendente, no intuito de me fazer crer que a ligação não faz parte de qualquer golpe.

 

- Ok. Mas como posso receber meu carro – insisto, cada vez mais curioso sobre o final da conversa.

- Senhor, a nossa promoção é realizada com o apoio de vários parceiros, entre eles a Nestlé e a Tim, viver sem fronteiras. O senhor é cliente de uma dessas empresas?

 

- Sim, sou cliente das duas.

 

- Que bom, o senhor acaba de se habilitar para a segunda parte da promoção. Preciso agora que o senhor anote sua frase chave para continuarmos a promoção. A qualquer momento essa frase chave poderá ser pedida. Sua frase chave é “SBT, Tim e Nestlé, realizando seu sonho de um carro zero” – dispara o atendente.

 

Repito a frase para dar mais veracidade à minha inocência.

 

- Muito bom, senhor. Agora, preciso saber se o senhor pode dedicar os próximos 45 minutos para cumprir a ultima etapa da promoção.

 

- Ok, posso sim.

 

- São duas tarefas fáceis que o senhor deverá cumprir o no final repetir sua frase chave.

 

- Ok. O que devo fazer então? – insisto.

 

- O senhor precisa, no tempo de 45 minutos, sem desligar o telefone, me passar dois números de código de barra de dois produtos Nestlé. No mesmo tempo, o senhor precisa também passar mais dois números de código de barra de dois cartões de crédito da Tim. Isso é apenas para confirmar que o senhor é realmente cliente dessas empresas. Gostaria de lembrar ao senhor que essa ligação é totalmente grátis, por isso peço que não interrompa a ligação até passar os dados e repetir a frase chave ou a promoção será encerrada.

 

Nesse momento, confirmado o golpe de roubo de crédito de celulares, perco a paciência e parto decido a encerrar a minha participação inocente na história.

 

- Ok, mas antes de continuar quero tirar uma dúvida – começo a investida.

 

- Senhor, estamos aqui para tirar todas as suas dúvidas. O que o senhor deseja saber? – diz o solícito atendente.

 

- Queria saber de que presídio você está falando, seu vagabundo! – afirmo, sem medo de errar.

 

- Senhor, estou passando a ligação para o meu gerente de contas – insiste o atendente.

 

Nesse momento, outro bandido passa a falar comigo.

 

- Senhor, o senhor tem alguma dúvida sobre a promoção que eu possa esclarecer? – diz o suposto "gerente de contas".

 

- Queria saber apenas de qual presídio vocês estão falando – repito.

 

Certo de que perderam pelo menos 15 minutos comigo na linha e não vão concluir o golpe, o "gerente de contas" se descontrola.

 

- Ô seu jumento, aqui é de Bangu 1. Tu é polícia? Vamô te queimar. Carioca safado. Vai morrer. Filho da puta – grita o bandido do outro lado da linha.

 

- Perderam meus amigos, essas vocês não vão levar – provoco do outro lado da linha.

 

- Filho da puta, baitola, viado, jumento, tu vai morrer, vamô te queimá – continua gritando o bandido, antes de desligar o telefone na minha cara.

 

Já pensando em escrever sobre o assunto, resolvo ligar também para o número que aparece no celular da minha prima como remetente do torpedo inicial ((085) 9618-3413). A ligação cai direto em uma caixa postal com a seguinte mensagem: "Central de promoções Web SBT, favor ligar para 015 85 9654-8452 para saber mais sobre os resultados dos sorteios".

 

Resolvo ligar mais uma vez para o número indicado só para ter a certeza de que os bandidos ainda estão com o seu call center em operação. A mesma voz com sotaque nordestino me atende:

 

- Central de promoções, bom dia!

 

Não resisto e mais uma vez provoco o "bandido atendente":

 

- Perderam, perderam, não vão levar nada, meus amigos.

 

Ouço novamente uma cascata de impropérios e palavrões antes de desligaram mais uma vez o telefone na minha cara.

 

Resolvo então seguir com meu plano inicial e vou correr na praia enquanto tento digerir tudo que acaba de acontecer. Quanto mais penso, mais me sinto indignado, invadido, agredido. Mesmo sabendo que essa é a realidade óbvia da situação da segurança pública no Brasil, meu sentimento de "alvo fácil" para os bandidos aumenta mais depois da ligação. Resolvo então não esquecer simplesmente a história e fazer a minha parte para tentar mudar essa situação. Escrevi este artigo na esperança de que o alerta sirva para precaver outras possíveis vítimas do mesmo golpe. Esperança também que os números de telefone ((085) 9618-3413 e (085) 9654-8452) sejam investigados pela polícia e que possam levar até a punição dos bandidos. E por último, na esperança que, num futuro próximo, call centers deste tipo não interrompam nunca mais a manhã de sábado de tempo bom no Rio de Janeiro de nenhum outro cidadão de bem.

 

(fonte: André Moragas no site O GLOBO)

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